domingo, 29 de janeiro de 2012

Dickens, Um Conto de Duas Cidades, e a literatura histórica

Após um período sem atualizações no blog, abro os trabalhos em 2012 distanciando-me das polêmicas e assuntos do momento pela internet, revistas, TV e rádios. Opto por algo que me é muito aprazível: A literatura. 
Em meados do ano passado, pesquisando material para um trabalho na disciplina de História Contemporânea I sobre a Londres do século XIX, um colega de curso trouxe um exemplar de "Um Conto de Duas Cidades", do renomado escritor Charles Dickens. Até ali eu estava trabalhando sobre outra obra dele, "As Aventuras do Sr.Pickwick". Em virtude da demanda textual que o curso de História nos impõe, a leitura de "Um Conto..." foi de forma fragmentada, com pausas longas permeadas de períodos constantes de leitura.
Edição brasileira publicada em 2002, pela Nova Cultural
Originalmente esta obra foi publicada no ano de 1859 e historicamnte se situa nas cidades de Londres e Paris, inicialmente recuando a 1757, e terminando a história em 1794. Factualmente situa-se nos acontecimentos pré e durante a Revolução Francesa, numa descrição que buscou rememorar algum aspecto da realidade dos alaridos revolucionários da "liberdade. igualdade, freternidade ou morte", centrando-se nos pobres cidadãos que deram cabo a Revolução e que mostraram-se fortes nos momentos mais sangrentos daqueles dias da dácada de 1790. Ficcionalmente França e Inglaterra sem encontram em diversas histórias e pessoas: O funcionário do banco, o mensageiro, o advogado, o negociante de rua, o francês que renegou seu passado aristocrata (além de seu próprio sobrenome) e que aproximou-se de uma família francesa que vivia em Londres onde, pelos caprichos da trama de Dickens, teriam seus destinos aproximados e suas rotas de vida alteradas. 
Um doutor que ficou preso por quase vinte anos e trouxe consigo todas as facetas que o psicológico pode impôr a pessoas que ficam reclusas aproxima o destino do funcionário do banco inglês com filial em Paris que, por sua vez, tem a incumbência de alterar o destino de uma jovem francesa que desde nova vive em Londres. Em meio a isso, alguém que salva-se da forca em Londres por uma série de detalhes, entre elas, a incrível semelhança entre este e seu advogado. Curiosamente isso seria primordial ao final da trama, pois, o francês aristocrata pertencia a uma família que alterou o destino de muitas pessoas pobres, famintas e miseráveis daquela França que expropriava e explorava os pobres em detrimento dos luxos dos mais ricos e, na engenharia do romance, uma dessas vítimas tinha um sede de vingança que os brados revolucionários trariam o momento e argumentos precisos.
Independente do grau de protagonismos deste ou aquele personagem, todos possuem uma importância vital na história. Uma Inglaterra apreensiva pelos movimentos revolucionários de uma França que cortou na própria carne e fez jorrar sangue para que algo "mudasse".
As vidas das personagens podem ser confundidas, provavelmente, com as de milhares de pessoas naquele tempo, apear dos desfechos certamente não terem precedentes na história como tal. O real da história e historiografia funde-se com o fantástico da ficção. Em minha opinião "Um Conto de Duas Cidades" cumpriu com fina maestria o papel de ser uma obra histórico-ficcional. Nesta obra identificamos o fino humor inglês e o drama dos romances publicados no século XIX, Dickens sem dúvida consegue trazer o leitor para as ruas de Londres e Paris, bem como as prisões e execuções públicas ocorridas nessas cidades naqueles tempos. 
Representação de execução na guilhotina em Paris. s.a., s.d.
Os últimos capítulos deste livro são permeados pela sombra de um personagem sem fala, de um movimento único, porém definitivo: A guilhotina. Por ela, por pensar nela, por vê-la ou sentir sua ação e desligar-se deste mundo, as personagens de certo modo tem em sua alça de mira a visão da lâmina afiada, do "barbeiro da revolução". Esta personagem definiu os rumos dos homens e mulheres daquele tempo, bem como das personagens desta obra de Dickens.
Sem dúvida gostei da trama, do uso do fato histórico sem os ufanismos micheletianos ou do ceticismo marxista, a Revolução foi maior em seu tempo, mas as personagens mostraram-se maiores que a Revolução, apesar da Revolução cobrar a conta, como toda a Revolução.
Parto da ideia que história e literatura devem e precisam andar juntas, contribuindo para ambas em via de mão dupla, a fluência de uma leitura de romance somado a precisão da escrita historiográfica sem dúvida ajudarão a literatura e a historiografia. É uma opinião pessoal que gera muitos debates dentro da acadamia, principalmente na de História, contudo partilho da ideia que livros, revistas, teses, artigos, contos, crônicas, etc., devem preocupar-se com o elemento primordial e que dará publicidade ao que foi escrito: O leitor. Posso estar equivocado em meu pensamento, mas excelentes questionamentos e teses que nos levariam a imensos debates por vezes morrem nas prateleiras das universidades muito pelo estilo quadrado da escrita academicista imposta quase como cânone em muitos de nossos cursos. A História precisa aprender com a literatura, revolucionando a si mesma, o que necessariamente não quer dizer devamos deixar de lado o rigor da história em suas formas de analisar e problemtizar.
Esta obra de Charles Dickens que terminei de ler me ajudou a pensar para além das fronteiras de suas páginas, as duas cidades retratadas por Dickens posso em uma analogia ver também a relação e os conflitos entre as "cidades" da História e da Literatura. Tão próximas, tão distantes, tão úteis.

*Texto revisado em 30 de janeiro de 2012, às 10h54.




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